Neste artigo, vamos discorrer sobre as teorias do crime no Direito Penal. Elas nos ajudam a entender as formais pelas quais os doutrinadores procuraram e ainda procuram conceituar os delitos sob vários ângulos possíveis.
1) Teoria Causal-Naturalista
Esta teoria parte de uma influência positivista, formalista e como diz o nome, naturalista, decorrente do método científico das ciências naturais (dedutivo). Deste modo, tem uma maior preocupação com a causalidade existente entre a prática de um ato e a produção de um resultado que representa a violação de um bem jurídico. O crime é assim visto como fato natural e a ação humana da qual decorre, um movimento corporal voluntário que causa modificação no mundo exterior. Não se fazia qualquer valoração da conduta, não havia o aporte de elementos normativos na conceituação analítica do delito. Aliás, o termo conduta somente foi introduzido por Radbruch, para abarcar as omissões. A vontade compreendia duas partes: uma externa (objetiva), que corresponde ao processo causal; e outra interna (subjetiva), que corresponde ao conteúdo final da ação (dolo/culpa). Em consequência, pretendia-se uma divisão bipartida do delito: uma parte objetiva (tipicidade e antijuridicidade) e outra subjetiva (culpabilidade: imputabilidade e dolo/culpa). O dolo, aqui, era o “dolus malus”, compreendendo consciência do fato e consciência da ilicitude. A tipicidade era indício da antijuridicidade: ratio cognoscendi. Essa teoria foi desenvolvida, basicamente, por Franz Von Liszt e Beling.
2) Teoria Neokantista (conceito neoclássico de delito)
O neokantismo, surgido principalmente com Mezger, se propôs a agregar elementos normativos à estruturação analítica anterior. Parte-se de um enfoque deontológico (e não ontológico), de modo que a definição dos conceitos depende muito mais do sujeito que interpreta o objeto, ou seja, dos valores que o sujeito atribui a um dado objeto, que do objeto em si mesmo. Utiliza-se de concepção filosófica fundada em três planos: o da realidade sensível, o dos valores e o das significações. A realidade sensível, neste enfoque, não tem qualquer valor intrínseco, absoluto, imutável ou universal (como proposto pelos naturalistas), os valores são dados pelo sujeito que realiza uma compreensão do fenômeno, atribuindo-lhe significação (valores condicionados subjetivamente, culturalmente). Deste modo, sugere-se um deslocamento do método explicativo (próprio das ciências naturais) para o método compreensivo (próprio das ciências humanas) – Silva Sánchez. Em consequência, a tipicidade passa a ser encarada como a valoração negativa de uma conduta por parte do legislador, contendo, inclusive, elementos normativos específicos, como “funcionário público”, “coisa alheia” – Luiz Flávio Gomes. Considera-se o bem jurídico como realização de um valor, e sua lesão como critério decisivo da interpretação dos tipos. A antijuridicidade passa a ficar atrelada ao conceito de danosidade social e de princípios materiais, donde se parte para fundamentar a existência de causas supralegais de justificação da conduta. Por fim, a culpabilidade passa a ser psicológico-normativa, uma vez introduzido o elemento “exigibilidade de conduta diversa” neste requisito e agregando ao dolo e a culpa a noção de reprovabilidade da conduta, contrária ao dever. A teoria ficou marcada pelo excessivo subjetivismo epistemológico ou relativismo axiológico, embora tenha agregado fundamentos indispensáveis à evolução dogmática no sentido da interpretação valorativa e material dos requisitos do delito, além de ter agregado elementos novos, como a exigibilidade de conduta diversa. A crítica a este sistema foi a de que seus valores ainda eram muito vagos, no sentido de que a dogmática penal não acompanhava o crescimento das ideologias totalitárias. Some-se a isso o fato de que a antijuridicidade ainda ser muito objetiva, bem como o fato de o dolo estar ligado à consciência da antijuridicidade, ou seja, perpetuava a ideia de que o dolo e a culpa integravam o juízo de reprovabilidade.
TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO.
TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO.
Foi nesta época, em que a filosofia neokantiana estava em pleno vapor (meados do século XIX até o início do século XX), que se desenvolveu a teoria dos elementos negativos do tipo, criada por Merkel e aperfeiçoada por Frank e Radbruch. De acordo com essa teoria, o tipo penal já contém a antijuridicidade, compondo-se de duas partes: uma positiva (realização dos elementos do tipo, no sentido tradicional) e uma negativa, que corresponde à ausência de causas de justificação. Assim, para que se possa dizer que um fato é típico, deve-se perquirir se é ilícito (tipo total de injusto); se não for ilícito, não será típico. A tipicidade é a própria essência da antijuridicidade (ratio essendi).
3) Teoria Finalista
Criação de Hans Welzel a partir de 1930, esta teoria partiu de uma tentativa de frear o subjetivismo próprio da teoria neokantista, de modo a estabelecer um conceito prévio de ação, baseando-se em estruturas lógico-objetivas, apto a vincular o legislador. Assim, evita-se que o legislador/juiz exercite o poder de definir os conceitos a partir de valores escolhidos de forma absoluta ou ilimitada. Parte-se, pois, de um enfoque ontológico, em que se sustenta que a realidade já tem incorporada a dimensão de sentido. Deste modo, o sujeito que interpreta o fenômeno apenas identifica as estruturas lógico-objetivas da realidade e a partir daí conclui qual é a regulação jurídica que se deve dar aos diferentes problemas penais – Silva-Sánchez. Neste sentido, conforme exemplo citado na obra de Silva-Sánchez, é possível conferir a uma cadeira o mesmo regramento jurídico dado a uma mesa, mas não se pode pretender conferir à cadeira a capacidade negocial dos homens, já que falta à cadeira capacidade ontológica para isso. Mais precisamente no que toca ao direito penal, as estruturas lógico-objetivas serão: a estrutura final da ação e a estrutura da culpabilidade como poder atuar de outro modo. A estrutura final da ação, concebida como atividade dirigida a um fim (já que é o fim que diferencia o delito – de matar, no homicídio, de lesionar, na lesão), teve como consequência o deslocamento do elemento subjetivo (dolo/culpa) para a tipicidade. Sim, porque se finalidade pressupõe dolo, infere-se que o dolo pertence à ação. Ademais, se a conduta já possui um valor (ou desvalor) em si mesma, uma vez dirigida a um fim desvalioso que poderia ser evitado (estrutura final da ação+possibilidade de atuar de outro modo), o resultado no finalismo deixa de ter maior importância, o delito passa a ser conceituado como violação ético-social, e não como violação a bem jurídico (definição presente tanto no causalismo como no neokantismo). O finalismo pretende, pois, que os dois elementos lógico-objetivos apontados sejam suficientes para evitar uma interpretação irracional do legislador, no sentido de erigir como crime conduta destituída de intenção dirigida a uma violação ético-social, ou ação justificável pela inexigibilidade de conduta diversa. Ainda como consequência da teoria: abandona-se o dolo normativo e adota-se o natural (somente consciência do fato); na antijuridicidade, o importante é analisar se o autor, na prática da conduta, afastou-se das normas éticas tuteladas pela norma; a culpabilidade passa a ser puramente normativa (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa); princípio da adequação social é utilizado para excluir a tipicidade. Críticas: pouco explica os crimes omissivos e os culposos; centra-se no desvalor social da ação e não do resultado; como não transcendeu à realidade ontológica para aproximar-se da realidade concreta, pouco se preocupou com a solução justa para o caso concreto.
4) Teoria social da ação
Desenvolvida por Johannes Wessels e Hans-Heinrich Jescheck, esta teoria acrescenta uma nova dimensão à sistematização em voga: a relevância ou transcendência social da ação. “A conduta, para a teoria social, é o comportamento humano voluntário psiquicamente dirigido a um fim socialmente reprovável”. Observa-se, assim, que a teoria teve o objetivo de conferir nova definição ao conceito de conduta, de modo a incorporar elemento negativo implícito no tipo. Melhor dizendo, em um exame concreto, se a conduta tem adequação social, deixa de ser típica. Crítica: padeceu de excessiva vagueza, ante a indefinição do que seja transcendência ou relevância social.
5) Teorias Funcionalistas
A partir dos anos 1970, o sistema do Direito Penal encontrava-se exaurido em razão das discussões abstratas. Considerando tal contexto, Claus Roxin, lançou as bases do funcionalismo penal, formulando o seguinte questionamento: “Para que serve a solução de um problema jurídico que, apesar de harmonicamente claro e uniforme é, sob o ponto de vista político criminal, errôneo?” Assim surgiu a dogmática funcionalista ou teleológica, que trouxe um critério de sistematização especificamente jurídico penal, qual seja, as bases político-criminais da moderna teoria dos fins da pena preventivo-geral e preventivo-especial.
Emprega-se o termo “teorias”, assim no plural, tendo em vista que, apesar de voltadas a um novo enfoque, de sistematização e interpretação dos conceitos de acordo com a função do Direito Penal, representam distintas vertentes de orientação dogmática, justamente pela multiplicidade de funções do Direito Penal a que se pode dar relevância. Como característica comum, há uma superação do método dedutivo-abstrato para uma espécie de sistema aberto, em que se combinam considerações tópicas (voltadas ao caso concreto) e abstratas (no campo da valoração). Assim, referido sistema aberto de interpretação/estruturação do crime, permite: a combinação necessária de elementos externos ao Direito Penal, como a Política Criminal (Roxin), ou perspectivas de cunho sociológico, como a teoria luhmaniana dos sistemas (Jakobs); a construção de uma ciência evolutiva, atenta à evolução de conhecimento e comportamento; e a análise da realidade concreta, como reflexo de uma maior preocupação com a solução mais justa dos casos.
Há um afastamento da compreensão ontológica, de forma radical (Jakobs) ou moderada (Roxin), para dar ênfase à atividade valorativa do sujeito, que estaria limitada não pelas categorias imanentes ao ser, mas por valores e princípios de política-criminal, direitos humanos e Estado Social e Democrático de Direito (Roxin), ou por um fim de estabilização do sistema (Jakobs). Roxin, no entanto, mantém os limites do sentido ordinário de linguagem, elementos de ordem ontológica, mas sempre sob a orientação político-criminal. Jakobs, de sua parte, absolutiza o funcionalismo. Nas palavras de Silva Sánchez e LFG, a referência a valorações político-criminais é a única forma de racionalizar o sistema penal (coibir relativismos e arbitrariedades do legislador/julgador; reduzir a intervenção penal e sua intensidade aos limites necessários), diante das inseguranças que os conceitos ontológicos produzem em uma sociedade plural e pluricultural. Um dos pontos mais relevantes do funcionalismo é, pois, a integração de uma tipicidade material ao modelo já conhecido (formal+subjetivo). Nesta categoria, há o aporte de princípios e teorias, a exemplo da teoria da imputação objetiva (Roxin e Jakobs) e da tipicidade conglobante (Zaffaroni). Passemos à exposição das principais correntes funcionalistas, isoladamente.
Emprega-se o termo “teorias”, assim no plural, tendo em vista que, apesar de voltadas a um novo enfoque, de sistematização e interpretação dos conceitos de acordo com a função do Direito Penal, representam distintas vertentes de orientação dogmática, justamente pela multiplicidade de funções do Direito Penal a que se pode dar relevância. Como característica comum, há uma superação do método dedutivo-abstrato para uma espécie de sistema aberto, em que se combinam considerações tópicas (voltadas ao caso concreto) e abstratas (no campo da valoração). Assim, referido sistema aberto de interpretação/estruturação do crime, permite: a combinação necessária de elementos externos ao Direito Penal, como a Política Criminal (Roxin), ou perspectivas de cunho sociológico, como a teoria luhmaniana dos sistemas (Jakobs); a construção de uma ciência evolutiva, atenta à evolução de conhecimento e comportamento; e a análise da realidade concreta, como reflexo de uma maior preocupação com a solução mais justa dos casos.
Há um afastamento da compreensão ontológica, de forma radical (Jakobs) ou moderada (Roxin), para dar ênfase à atividade valorativa do sujeito, que estaria limitada não pelas categorias imanentes ao ser, mas por valores e princípios de política-criminal, direitos humanos e Estado Social e Democrático de Direito (Roxin), ou por um fim de estabilização do sistema (Jakobs). Roxin, no entanto, mantém os limites do sentido ordinário de linguagem, elementos de ordem ontológica, mas sempre sob a orientação político-criminal. Jakobs, de sua parte, absolutiza o funcionalismo. Nas palavras de Silva Sánchez e LFG, a referência a valorações político-criminais é a única forma de racionalizar o sistema penal (coibir relativismos e arbitrariedades do legislador/julgador; reduzir a intervenção penal e sua intensidade aos limites necessários), diante das inseguranças que os conceitos ontológicos produzem em uma sociedade plural e pluricultural. Um dos pontos mais relevantes do funcionalismo é, pois, a integração de uma tipicidade material ao modelo já conhecido (formal+subjetivo). Nesta categoria, há o aporte de princípios e teorias, a exemplo da teoria da imputação objetiva (Roxin e Jakobs) e da tipicidade conglobante (Zaffaroni). Passemos à exposição das principais correntes funcionalistas, isoladamente.
5.1) ROXIN. CONCEITO TELEOLÓGICO-FUNCIONAL
funcionalista-teleológico ou racional-final. Também chamado de funcionalismo moderado. Observa-se uma ênfase nos fins e princípios da Política-Criminal (rompe-se a barreira entre Direito Penal e Política-Criminal) e nas funções de prevenção geral e especial negativas. O crime é dividido em tipicidade, antijuridicidade e responsabilidade. Assim, no exame de uma conduta à luz do Direito Penal, verifica-se, primeiro, se é formalmente típica. Em seguida, se é materialmente típica, analisando-se se houve “ofensa desvaliosa a bem jurídico relevante” (conceito de crime para Roxin). Aqui incide uma série de princípios de Política-Criminal e direitos humanos, que funcionam como guia da atividade valorativa/interpretativa, como o princípio da intervenção mínima, a função da norma sob interpretação (prevenção geral de lesões ao bem jurídico), além de uma teoria que exclui a imputação objetiva nos casos em que não houve criação de “risco proibido, concretizado no resultado produzido”. A teoria da imputação objetiva leva esse nome, tendo em vista que precede a análise do aspecto subjetivo da tipicidade (dolo/culpa). Assim, somente se a conduta se amoldar à redação legal e configurar ação/resultado relevantes para o Direito Penal, à luz dos princípios e teorias citados, é que se passará ao exame do elemento subjetivo do tipo. Presente o dolo ou a culpa, parte-se para a análise da antijuridicidade, também normativa, campo de ponderação dos bens jurídicos envolvidos. Por fim, a responsabilidade, que é formada pela culpabilidade, já conhecida, além de necessidade concreta da pena para fins de prevenção do delito, aspecto individualizante da resposta penal (fim de prevenção especial) [ou seja: a responsabilidade amplia o conceito de culpabilidade. Em outras palavras, é preciso verificar se é conveniente a punição, tendo em contra razões preventivo-gerais (interesse da coletividade) e preventivo-especiais (reprovação pessoal). A consequência disto é que embora culpado, é possível que para atender finalidades políticos criminais, o agente possa permanecer impune].
5.2) JAKOBS. CONCEITO FUNCIONALISTA SISTÊMICO
Para Jakobs, delito é toda violação da norma, disfuncional às expectativas sociais de convivência. Delito é a frustração das expectativas normativas. Pena é a confirmação da vigência da norma. O Direito Penal existiria, assim, para proteger a norma e por via indireta, os bens jurídicos; é um instrumento de estabilização do sistema. Verifica-se, pois, uma ênfase na função de prevenção geral positiva da pena, no simbolismo da intervenção penal para garantir um sentimento de preservação das normas e valores sociais. Parte da teoria luhmaniana dos sistemas, em que a presença dos riscos (da convivência em sociedade e do progresso) exige um mecanismo de estabilização, que seria o sentimento geral de eficácia das normas jurídicas regulatórias. Jakobs divide o crime em tipicidade (formal, material e subjetiva), antijuridicidade e culpabilidade. Na tipicidade material, utiliza-se da teoria da imputação objetiva com enfoque na representação de funções, de papéis na sociedade, e no princípio da confiança, o que reflete sua preocupação com os sistemas e microssistemas. No campo da culpabilidade, propõe um exame da conduta de modo atrelado à finalidade preventiva geral: culpável é o agente que tenha alternativa de comportamento, mas não se motivou pelo respeito à norma. A principal crítica que se faz a essa teoria é de que pode servir a um Estado totalitário, porque não se questiona o conteúdo das normas, os valores sociais a que se prestam. O sistema dogmático não conta com valores e princípios orientadores e limitadores. O que vale é a estabilização do sistema, e não a proteção da dignidade do ser humano, das garantias e direitos fundamentais do homem. Trata-se de um modelo mais sociológico que dogmático-jurídico. Referida crítica foi agravada quando Jakobs passou a defender a existência de dois Direitos Penais, um para o cidadão, com garantias; outro para o inimigo, sem garantias.
HASSEMER. CONCEITO FUNCIONALISTA DO CONTROLE SOCIAL
Direito Penal é meio formal de controle social, para manutenção de determinada ordem social. Delito é conduta desviada e pena é reação social formal, sob garantias de Estado Democrático de Direito. O Direito Penal existe para cumprir essas funções garantistas.
ZAFFARONI. FUNCIONALISMO REDUCIONISTA OU CONTENCIONISTA
Função do Direito Penal é reduzir a violência do Estado de polícia, assim como sua seletividade inerente. Também tem a função de tornar o poder punitivo menos irracional. Agrega à tipicidade a teoria da tipicidade conglobante, de forma que a tipicidade penal seria formada pela tipicidade legal (ou formal) + tipicidade conglobante (antinormatividade, violação da norma subjacente ao tipo). A antinormatividade exige uma interpretação sistematizada, de modo a excluir a tipicidade de condutas que, embora descritas num tipo penal, são fomentadas por outras normas jurídicas. Paulo Queiroz critica a coerência e necessidade de dita teoria, sob o argumento de que, em verdade, não há sequer tipicidade formal nos casos citados por Zaffaroni, seja porque mesmo num juízo de subsunção é preciso fazer uso de uma interpretação sistematizada e teleológica, seja porque há uma exclusão justificada pelo estrito cumprimento de dever legal, seja porque não há criação de um risco proibido.
LUIZ FLÁVIO GOMES
Para LFG, crime envolve tipicidade e antijuridicidade, sendo a culpabilidade um dos fundamentos da pena. Ademais, somente há efetividade na norma quando há exigência de ameaça de pena (punibilidade), que transforma o crime em fato punível. LFG dá especial ênfase ao princípio da ofensividade na análise da tipicidade material, já que comunga da definição de delito como ofensa a bem jurídico relevante. Propõe a exclusão da culpabilidade/punibilidade do conceito de crime para aperfeiçoar algumas questões práticas: na receptação, haveria de se falar em crime anterior mesmo quando o furto fora praticado por menor; quem auxilia filho a furtar o pai participaria de crime, só não estaria alcançado pela escusa absolutória; quem auxilia embaixador estrangeiro a matar pessoa do país acreditante pratica crime, só não estaria alcançado pela imunidade. Em outras palavras, a diferença é que para uns o crime não terá efetividade.
PAULO QUEIROZ. CONCEITO MONISTA-FUNCIONAL
Para Paulo Queiroz, não há razão para a autonomia dos requisitos do crime (tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade), pois não passam de momentos, níveis ou graus de apuração do caráter criminoso do fato. Defende, então, não só um entrelaçamento de tipicidade e antijuridicidade, como a teoria dos elementos negativos do tipo já o propõe, mas também da culpabilidade. Explica-se: a culpabilidade é expressão de exigibilidade de conduta diversa, tendo em vista os fins de prevenção geral e especial, já que nos casos de ausência de culpabilidade o que se tem é uma impossibilidade ou falta de razoabilidade de se exigir um comportamento conforme as normas. Assim, nos termos de Paulo Queiroz: “a exigibilidade de uma conduta diversa (conforme o direito) não é uma análise posterior, nem estranha à verificação do injusto penal, nem é exclusividade da culpabilidade, visto que é contemporânea da própria intervenção jurídico-penal, por ser uma consequência lógica da natureza instrumental (ou funcional ou preventiva) do direito penal. Mais ainda: é a exigibilidade, em face da normal motivabilidade, que determina, em última análise, a atipicidade do fato (mas não só ela, pois contam, também, critérios de conveniência político-criminal) e a justificação de certos comportamentos (causas de exclusão de ilicitude)”. Noutros termos, “se função do direito penal é motivar comportamentos no sentido do comando normativo, segue-se que semelhante tarefa somente pode ser dirigida àquele que se ache em condições físicas, psíquicas, culturais, etc., de entender tais normas e de poder agir segundo a pretensão do legislador que as editou”. Daí o autor explica que diversas causas de exclusão de conduta, de atipicidade ou antijuridicidade se fundamentam na mesma questão: norma penal carece do poder de motivar no caso concreto (a exemplo da coação física irresistível, conduta sem dolo ou culpa, legítima defesa, etc.). Assim, a exigibilidade está presente em todos os outros critérios, sendo o que se chama de culpabilidade mais um nome para designar casos em que o legislador considera desnecessária a pena. A transferência de uma causa de justificação de um requisito ao outro não tem qualquer repercussão prática, mas somente sistemática, como ocorreu com o dolo e a culpa (transferidos para a tipicidade), como ocorre com o consentimento do ofendido que é, para alguns (Roxin), causa de exclusão da tipicidade e, para muitos outros, de antijuridicidade. Trata-se, pois, de interpretação que, por ser essencialmente subjetiva, gera divergências de toda espécie. Deste modo, propõe que a teoria dos elementos negativos do tipo seja revista “para compreender: a) a realização de todos os elementos do tipo; b) a ausência de causas de justificação; e c) a ausência de causas de exclusão de culpabilidade”.
1. O CONCEITO DE DIREITO PENAL.
VISÃO CLÁSSICA
Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas mediante as quais o Estado proíbe determinadas ações ou omissões, sob ameaça da pena. A doutrina usualmente distingue duas classes de enunciados normativos: normas primárias, que são proibitivas e dirigidas à regular a conduta dos cidadãos, e normas secundárias, que estabelecem os princípios gerais e as condições ou pressupostos de aplicação da pena e das medidas de segurança, que igualmente podem ser impostas aos autores de fatos definidos como crime.
VISÃO MODERNA
a disciplina pode ser conceituada sob duas vertentes: a DINÂMICA e a ESTÁTICA. DINÂMICA: o Direito Penal é o mais intenso mecanismo de controle social formal, por intermédio do qual o Estado, mediante um determinado sistema normativo, castiga com sanções negativas de particular gravidade as condutas desviadas mais nocivas para a convivência, objetivando, desse modo, a necessária disciplina social e a correta socialização dos membros do grupo. ESTÁTICA: considera-se Direito Penal como sendo o conjunto de normas jurídico-públicas que definem certas condutas como delito e associam às mesmas penas e medidas de segurança, além de prever outras consequências jurídicas.
2. FINALIDADE E LEGITIMIDADE DO DIREITO PENAL
Proteção da convivência humana em sociedade (primeira consiste em compreender o Direito Penal como um dos instrumentos de convivência e controle social, caracterizado por selecionar os comportamentos tidos como mais intoleráveis, prevendo e impondo sanções institucionalizadas àqueles que o realizarem. A outra finalidade é visualizá-lo como um conjunto de normas jurídicas editadas pelo Estado contendo a descrição de delitos e cominação de penas - normas penais incriminadoras, bem como dos pressupostos para a aplicação, substituição ou exclusão de tais sanções - normas penais não incriminadoras).
SILVA SÁNCHEZ: Três níveis as funções do Direito Penal. O primeiro nível ocupa-se da função ético social (busca em satisfazer as necessidades da psicologia social). Em um segundo nível, faz-se alusão à função simbólica ou retórica (normas penais produzem na opinião pública a impressão tranquilizadora de um legislador atento e decidido). Por fim, apresenta a função repressiva e preventiva de delitos. Ressalte-se, todavia, que, de maneira geral, a justificação do Direito Penal tem sido feita a partir da justificação da pena.
Há, em princípio, três orientações fundamentais quando à LEGITIMIDADE DA PENA: (1) sustenta-se que a PENA É UM MAL, mas que se converte em bem, pois nega o mal que é o delito e restaura o direito e a justiça; (2) sustenta-se que a PENA É UM MAL MENOR ou socialmente útil; e (3) afirma-se que a PENA É ILEGÍTIMA, o que deveria conduzir à sua abolição (e, por extensão, do Direito Penal).
Tais grupos de orientações se expressam a partir das teorias da pena (visa explicar o fundamento da pena por meio das chamadas correntes absolutas, relativas e mistas ou unitárias) que gravitam em torno de duas premissas fundamentais: a RETRIBUIÇÃO e a PREVENÇÃO. Segundo as TEORIAS ABSOLUTAS, a pena é exigência de justiça (pena um fim em si mesma e não serve a qualquer outro propósito que não seja o de RECOMPENSAR O MAL COM O MAL). Os filósofos Kant e Hegel foram os maiores teóricos desta corrente, tendo o primeiro formulado esta teoria do modo ilustrativo. Hegel, por seu turno, desenvolveu a fórmula dialética sobre a essência de a pena ser a "negação da negação do direito". As TEORIAS RELATIVAS, partindo de uma concepção utilitária da pena, justificam-na por seus efeitos preventivos (finalidade da pena não seria punir todos os crimes, mas PREVENIR TODOS OS CRIMES). a) PREVENÇÃO GERAL: é a intimidação que se supõe alcançar por meio da ameaça da pena e de sua efetiva imposição, atemorizando os possíveis infratores. Esta teoria tem em Anselm von Feuerbach o seu mais eloquente representante, o qual expressou, em seu influente Tratado, toda a sistemática da coação psicológica da pena. b) PREVENÇÃO ESPECIAL: atua sobre o autor do crime, para que não volte a delinquir. A prevenção especial opera por meio da emenda do condenado ou de sua intimidação, ou, ainda, da inocuização, no caso dos incorrigíveis. Segundo Franz von Liszt, adepto dessa corrente, a pena tem a função única de defender a sociedade de elementos que perturbam a sua organização (defesa social), por intermédio da "atuação direta da execução da sanção na personalidade do criminoso". [OBS: Tanto a teoria da prevenção geral como a da prevenção especial deixam sem explicação os critérios mediante os quais deve o Estado recorrer à pena criminal]. c) TEORIAS MISTAS OU UNITÁRIAS: combinam as teorias absolutas e as relativas, que não seriam excludentes entre si. Parte-se, portanto, do entendimento segundo o qual a pena é retribuição, mas deve, por igual, perseguir os fins de prevenção geral e especial. Segundo Eduardo Correa, é concebível uma terceira via: o daquelas teorias que justamente entendem que o fim ou razão de ser da sanção se cumpre ecleticamente, reagindo-se contra o passado e procurando-se ao mesmo tempo evitar futuras violações. As teorias mistas não foram suficientes para responder por completo ao problema da finalidade. Por isso, foi desenvolvida a ideia de que a PREVENÇÃO PODE SER POSITIVA OU NEGATIVA. Uma conteria a ideia de que a previsão ou a aplicação das penas teria a função de prevenir delitos (prevenção negativa), e a outra reforçaria a validade das normas (prevenção positiva), que significa restabelecer a confiança institucional no ordenamento, quebrada com o cometimento do crime.
3. TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS DO DIREITO PENAL
Função de proteção dos bens jurídicos e de prevenção dos delitos. São 03 posturas político-criminais básicas que procuram compreender e dirigir as funções, os limites e os fins do Direito Penal contemporâneo: a abolicionista, a ressocializadora e a garantista. São posturas reformistas frente à realidade do sistema penal, pretendendo introduzir elementos de progresso, a partir da formulação de críticas. a) ABOLICIONISMO: postula a eliminação do Direito Penal, por ser sistema gerador da criminalidade: o monopólio estatal do uso da força seria também violência. Nesse sentido, não haveria legitimidade no Direito Penal, devendo-se, pois, abolir o sistema de penas positivadas, devendo os conflitos ser resolvidos de outra maneira. Desperta a necessidade de uma humanização do sistema penal. b) A postura RESSOCIALIZADORA diferencia-se da perspectiva abolicionista na medida em que se manifesta como uma luta por um melhor Direito Penal (autêntica reinserção dos apenados, a partir de mecanismos que eliminem, ou ao menos reduzam taxas de reincidência. Nessa perspectiva, a ressocialização constitui uma variante contemporânea da doutrina da prevenção especial). Critica-se também sua versão mais radical, que propõe a eliminação das penas por medidas de segurança ou de correção, a partir de uma ideologia do tratamento. c) Por sua vez, a proposta GARANTISTA surgiu para fazer frente à decepção acerca da capacidade do ideal ressocializador. Propugna fundamentalmente as garantias formais, buscando conciliar a prevenção geral dos delitos com exigências formais dos princípios de proporcionalidade e humanidade, limitando a intervenção penal ao estritamente necessário, não violando valores fundamentais consagrados em quase todas as sociedades modernas. Nessa linha de pensamento, o Direito Penal mínimo buscou reconhecer um núcleo rígido de infrações para as quais não se pode flexibilizar o sistema de penas, sob o risco de cairmos no anarquismo e na prevalência dos argumentos do mais forte. Ressalvado esse núcleo, o esforço deveria ser no sentido de descriminalizar e despenalizar os fatos. d) Em sentido diametralmente oposto, os MOVIMENTOS DE LEI E ORDEM preconizam a política criminal denominada tolerância zero, voltada para a repressão incondicional de pequenas infrações como maneira de se evitar a prática futura de infrações de maior gravidade social. e) Nessa ótica, merece destaque a CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO, essencialmente atribuída a Günther Jakobs. Baseia-se na distinção do Direito Penal dos cidadãos, que sanciona delitos cometidos por indivíduos infratores em meio às relações sociais e o Direito penal do inimigo, que tem como destinatário indivíduos considerados como fonte de perigo, sendo, por isso, despersonalizados pelo Direito. O Direito Penal do inimigo, classificado, segundo Silva Sanchez, como o Direito Penal de terceira velocidade, refuta os postulados do Direito Penal garantista, negando ao alegado inimigo direitos e garantias individuais nas esferas material e processual penal.
4. Velocidades do Direito Penal
As velocidades do Direito Penal trabalham com o tempo que o Estado leva para punir o autor de uma infração penal, mais ou menos, grave. Quem idealizou as velocidades do Direito Penal foi Silva Sanches. a) Primeira Velocidade: A primeira velocidade enfatiza infrações penais mais graves, punidas com penas privativas de liberdade, exigindo procedimento mais demorado, observando todas as garantias penais e processuais. Há um procedimento garantista. Ex: o Código de Processo Penal. b) Segunda Velocidade: A segunda velocidade flexibiliza os direitos e as garantias fundamentais, possibilitando punição mais célere, mas, em contrapartida, prevê penas alternativas. O procedimento é flexibilizado. Ex: Lei 9.099 – Lei dos Juizados, não tem direito a alegação final por escrito, tem que ser oral, estabelece menor número de testemunhas. c) Terceira Velocidade: A terceira velocidade mescla as duas anteriores. Defende a punição do criminoso com pena privativa de liberdade (1ª velocidade), permitindo, para determinados crimes, flexibilização de direitos e garantias constitucionais (2ª velocidade). O procedimento é flexibilizado. Ex: Lei 9.034/95 – Lei do Crime Organizado. d) Quarta Velocidade: Trata de bens difusos e coletivos, não individuais (Silva Sanches não reconhece essa quarta velocidade).
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Direito Penal